Simone Izumi
Minha história com chocolate tem início nos anos 1990...
Calça semibag, cabelo repicado e devaneios de uma adolescente sem rumo nem prumo. Nessa época, curtia poesia, piano, filosofia, fotografia e os pouquíssimos programas de culinária disponíveis na TV aberta.
Alimentava um caderninho de receitas que estampava claramente a minha identidade no momento: a cada estação uma caligrafia diferente.
A escrita poderia ser uma variante, mas no meu surrado receituário já transparecia o meu amor aos doces, escancarada e principalmente por chocolates.
Quando criança, sonhava ter em minhas mãos as grandes barras de chocolate que hoje disponho em meu estoque de produção.
Cresci comendo doces simples e saturados de açúcar, que costumavam ser vendidos nos carrinhos em frente à escola. Doce de abóbora em formato de coração, paçoquinha de amendoim, doce de leite, bala de coco, goma de mascar... Doces para os quais na verdade eu dava de ombros.
Eu era uma criança que desejava as vistosas caixas de bombons sortidos, que decoravam as prateleiras mais altas do supermercado do arrabalde. Muitos anos depois, a menina que sonhava em ganhar bombons e ovos de chocolate agora é uma chocolatier.
Não se engane pensando que nasci com o dom da chocolateria. Minha primeira experiência com chocolates, aos 12 anos, foi uma verdadeira lástima.
Lembro-me de empestear a cozinha da minha tia com uma fumaça densa e infinita de chocolate queimado. Felizmente, os traumas iniciais foram superados e passei a produzir todos os anos pequenos e tímidos ensaios chocoláticos nas épocas sazonais.
Mas, para dizer a verdade, me parecia um jogo de sorte e azar. Ora saía bom, ora não. E a sensação de o chocolate ser um ingrediente místico e de seu fabuloso destino independer da minha fé, boa vontade e dedicação começava a brotar.
Influenciada pelo meu irmão também arquiteto e ignorando os indícios durante a adolescência...
de que não era apenas uma glutona e sim uma apreciadora da confeitaria em potencial, ingressei na faculdade de arquitetura e urbanismo e completei com sucesso os cinco anos de formação.
Eu me destacava nos desenhos e nas matérias que envolviam devaneios de pensamento ou criatividade. Desenhava incríveis arranha-céus, mas sinceramente não tinha a menor ideia de como aquilo ia ficar de pé! Gostava de arquitetura, mas não amava. Para mim, a necessidade desse sentimento de amor à profissão era claro e isso me angustiava.
Após a formatura, conheci o sr. Chocolatria. Um interiorano matuto, de hábitos simples, alegre e generoso. Sua alegria de viver era contagiante e tão logo o conheci sabia que havia encontrado o granulado do meu brigadeiro.
Trabalhei um tempo na área de arquitetura com o meu irmão, e nos fins de semana produzia bombons na edícula da casa da minha mãe, que eram comercializados no balcãozinho do restaurante da minha querida tia Helena.
Nasce a Divas Chocolates...
Uma pequena cesta de vime duvidosamente decorada, sob a forma de bombons trufados simples e embalados em reluzentes papéis dourados.
O sr. Chocolatria foi o idealizador da venda dos bombons, que depois de certo tempo ganharam fama e eram conhecidos como as deliciosas trufas douradas do restaurante da tia.
Quando o sr. Chocolatria e eu nos casamos, resolvi trocar a lapiseira e a régua pelo fouet e assumir aquilo que realmente me fazia feliz: fazer docinhos de chocolate. A resposta apaixonada de uma pessoa ao degustar um chocolate feito por mim compensava todas as olheiras formadas pelas noites mal dormidas e remessas de chocolates manchados.
O início não foi fácil. Como não tinha recursos para investir em uma nova faculdade ou cursos livres profissionalizantes, meu estudo foi dado por livros, internet, pesquisas via incursões gastronômicas e treinamento exaustivo.
Como na época da faculdade, em que era comum varar noites para terminar um projeto, avançávamos madrugada adentro para cumprir as primeiras encomendas. Foram inúmeras as vezes que me via na calada da noite com avental sujo de chocolate, corpo dolorido, semblante cansado e mamãe sempre ao meu lado, firme e forte ajudando a embalar os chocolates.
No início da minha nova carreira, além de mergulhar no mundo do chocolate, aprendi também a ignorar sorrisinhos e a desviar comentários descrentes de fulanos das esquinas para o meu bolso furado: “Eu não acredito que você vai largar a arquitetura para fazer docinhos”, diziam estupefatos. O livre-arbítrio e a mudança de profissões é um direito, mas em certos momentos é difícil aguentar seu peso.
Assumir uma posição contraditória ou inovadora traz de brinde um pacote de críticas – algumas construtivas, outras destrutivas –, gozações talvez, e certamente muitas provações pessoais.
Em parceria com uma prima, iniciei o trabalho da Divas Chocolates Especiais em 2004.
Fornecíamos chocolates para revenda em salões de beleza, restaurantes, cafeterias e até abrimos um pequeno quiosque de chocolates em um shopping simples de bairro. Sofríamos para manter as prateleiras da vitrine do quiosque cheias, com a inexistência de ar-condicionado, o movimento fraco do shopping e principalmente com a pouca saída dos produtos.
No entanto, foi a melhor faculdade de chocolates que poderia cursar. Compreendi a essência dessa matéria-prima, aprendi a elaborar receitas e boas combinações, ganhar ritmo de trabalho e saber o que o paladar do cliente brasileiro pede. Findado esse período, a minha prima retornou à sua bem-sucedida carreira de vendas enquanto eu voltei a pensar com os meus botões sobre o futuro da Divas.
O nascimento da primogênita Lalinha em 2007, que coincidiu com a minha troca de profissões.
Decidi mudar o foco de trabalho do varejo para o atacado. Enxuguei as variedades oferecidas e desenvolvi uma linha fina de doces e suvenires, baseada em produtos artesanais frescos para eventos sociais. Batendo de porta em porta e munida do meu melhor sorriso, comecei a formar parcerias com profissionais do ramo, distribuí degustações e fechei os primeiros pedidos. Assim comecei a empilhar os primeiros tijolos de meu negócio.
Muitos pontos foram revistos, reavaliados e remodelados, porém uma coisa era imutável e crescente: minha adoração pelo santo Theobroma Cacao. O nascimento da Lalinha, em 2007, foi como um sopro morno de verão. Um break saudável que me fez buscar coisas novas na internet relativas a comida, fotos e viagens, minhas outras duas paixões.
Entre uma mamada e outra, corria para o computador em busca dos inovadores “blogs” de culinária: páginas de pessoas que se aventuravam na cozinha e lá escreviam sobre receitas testadas, postavam fotos acompanhadas de texto amistoso e compartilhavam os comentários recebidos dos leitores. “Que interessante. Um caderninho de receitas virtual com registros de minhas memórias que poderia deixar de legado para a minha filha”, matutei com os meus botões.
Enfim, chocolatria...
Com este pensamento, iniciei meu blog da forma mais despretenciosa e amorosa possível. Nos três meses que descansei em casa cuidando da Divinha bebê, aprendi a lidar com os códigos e ferramentas do blog, criei um layout e, extravasando a minha “idolatria ao chocolate”, o batizei de Chocolatria.
Lembro-me das primeiras entrevistas feitas para blogueiros amigos e jornais pequenos. A indescritível sensação de ver o meu doce estampado na capa de uma revista de sobremesas americana. Matérias interessantes, outras divertidas, ensaios fotográficos, campanhas e bastidores de televisão.
Me senti finalmente visível, confiante e relevante como confeiteira.
Registrei este lindo momento da minha filha, ajudando a sua avó e a querida Vilma em nossa primeira cozinha, em meados de 2011. A realidade não era fácil, mas nunca faltou amor, união e fé dentro da família.
No começo, relutei muito em ministrar aulas. Minha imaginação fértil desenvolvia as mais constrangedoras situações: por eu ser naturalmente estabanada, por não ter nenhuma formação especializada e por isto, ser uma possível vítima de bullying por parte dos colegas de profissão. Apesar de todos esses achismos e receios pelo desconhecido, me convenci que seria uma provação pessoal relevante e certamente uma quebra de paradigmas no meu comportamento, naturalmente introspectivo. O meu espírito sentia necessidade de impactar vidas e compartilhar o material acumulado, a metodologia criada, as experiências vivenciadas, as dores e superações. Cabia a mim, construir uma estratégia de oratória - carrego comigo a dislexia desde a infância - fortalecer a segurança e domar a minha aversão à exposição. Mergulhei de corpo e alma no processo com a visão de empoderar o meu DNA emocional. Depois de mais de uma década ministrando aulas e formando mais de 5 mil alunos presenciais e 10 mil alunos digitais, vejo como o nervosismo na maioria das situações pode ser uma barreira e quanto perderia se tivesse desistido ou me rendido às crenças limitantes.
E muitos acham que é questão de sorte.
As minhas primeiras aulas de chocolate aconteceram em espaços alugados por dia. Atropelava fins de semana e me privei de inúmeros momentos de lazer com a minha primogênita. Para fazer o milagre acontecer, levava um mundo e meio de materiais, insumos, equipamentos e repassava de forma exaustiva toda a logística da aula. Tinha dias que as borboletas pareciam querer sair do meu estômago. Em outros momentos, eu terminava o dia desolada por não ter obtido a dinâmica da aula perfeita. Os alunos tomados pela emoção, não enxergavam o preciosismo excessivo de Simone. Eles curtiam, vibravam, saíam de lá inspirados e com os seus olhos brilhando de emoção.
Aprendi a apreciar a companhia das borboletas e aceitar com humildade todas as minhas imperfeições como um ser humano em estado perpétuo de evolução. Durante os 3 anos seguintes, vivi um dos períodos mais malucos da minha vida. Trabalhava de segunda a sexta na edícula de mamãe e nos finais de semana me dedicava às intensas aulas de chocolate. Como em um passe de mágica, eu me vi grávida de 8 meses, ministrando aulas e sendo paparicada pelas alunas.
Lalinha com 5 anos de idade, aguardava com ansiedade a chegada do seu irmãozinho Leleco.
Seja bem vindo ao mundo, Leleco!
Quando leleco completou 3 meses, iniciei a reforma do meu primeiro espaço próprio alugado. Um sobrado antigo, de uso compartilhado, localizado em uma área residencial e que tinha funcionamento discreto, de portas fechadas. Virei uma mãe canguru que o carregava para lá e para cá, na tentativa de reduzir o tempo de reforma e viabilizar o retorno às aulas o mais rápido possível. Afinal, havia investido a economia de anos e estava novamente descapitalizada.
Porém, durante os 4 anos que permaneci neste primeiro espaço, o meu campo profissional rapidamente floresceu: o meu livro “loucuras de chocolate” foi publicado, obtive o título de embaixadora da marca Kitchen Aid – sustentado até 2021 – construí inúmeras parcerias com marcas consagradas como Nestlé, Nespresso e Callebaut e atingi a meta pessoal de direcionar as aulas para a semana, para enfim dedicar o sagrado fim de semana para o cuidado da minha família. Resgatar o fim de semana com os filhos, após 3 anos ininterruptos de abstinência social e emocional, simbolizou muito mais do que um troféu. foi como receber um curativo no coração. A vida seguia calma e de acordo com o programado.
Eu tinha a minha agenda de aulas com turmas cheias para os próximos meses, uma rotina de horários que me permitia levar e buscar os meus filhos e os meus fins de semana de descanso garantidos. O que mais poderia desejar? Este poderia ser o fim da história.
Mas, uma coisa é verdade: se você não sai da zona de conforto em prol a sua evolução, a vida se encarrega. E a vida - em sua sabedoria implacável - me expulsou deste sobrado da noite para o dia e eu me vi em uma procura frenética de um novo espaço para relocar as minhas aulas. A busca resultou neste novo espaço onde me encontro hoje. O desespero mediante a indefinição sobre o que fazer e para onde correr, deu lugar a coragem de investir e arriscar.
Com a missão de elevar o nível da confeitaria no Brasil...
Nascia neste momento, a Simone empreendedora. Sem titubear, Sr. Chocolatria abandou o porto seguro de sua carreira como engenheiro para virar o meu sócio e unir forças no novo Café Chocolatria.
De 2004 para cá, muitas coisas aconteceram. Obtive reconhecimento da minha metodologia de ensino por universidades. Participei de projetos globais de desenvolvimento de produtos. Adequei formulações de chocolates de mercado para a indústria do chocolate. Desenvolvi produtos para o setor de food service.
Assinei moldes de chocolate. Fui juíza e mentora em reality shows. Prestei consultorias e mentorias individuais. Me aposentei das aulas presenciais para me dedicar ao digital, com o fim de modernizar o formato e proporcionar o meu ensino a mais pessoas.
O café cresceu, se tornou robusto em sua estrutura e virou um organismo vivo com identidade própria, regras e política interna, propósito humano e case de referência de branding sensorial no mercado.
Mediante tantas reviravoltas vivenciadas em duas décadas de vida profissional, acredito piamente que somos capazes de mover montanhas. Hoje, sigo como uma profissional livre de amarras comerciais e com direcionamento claro para a formação de líderes empáticos e profissionais com propósito humano.
A nossa bandeira é vibrante e a nossa intenção grandiosa. Espero que juntos possamos dar o nosso melhor, construirmos um legado e impactar positivamente o nível da confeitaria no brasil.
“Sonhe grande, Comece pequeno. Acima de tudo, comece.”
Simon Sinek
Tenham uma vida doce e memorável!
Com amor, Simone Izumi
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